A cobertura da banda larga no Brasil obedece critérios de renda



Está na reta final, com anúncio previsto pelo Palácio do Planalto para o próximo dia 10, a formulação do Plano Nacional de Banda Larga. A política que será adotada para ampliar o acesso à internet no Brasil, com a pretensão de reverter o quadro de baixa penetração das conexões rápidas no território, vem sendo alvo de disputa entre a sociedade civil e as empresas prestadoras de serviço de telecomunicações.

O interesse do governo federal em dar início a uma ação de peso para expandir o acesso à banda larga e fazê-lo de forma rápida mistura elementos de um ano eleitoral com o fato de que aumenta a cobrança para que o Estado garanta o provimento do serviço a sua população. No Brasil, resolução da 1ª Conferência Nacional de Comunicação, realizada em dezembro de 2009, coloca o acesso em velocidade rápida à internet como direito fundamental dos cidadãos brasileiros. A aprovação desta proposta corrobora o fato de que a banda larga ganha, em todo o mundo, o status de “direito do novo século”. Contudo, não se sabe ainda de que instrumentos o governo federal lançará mão no Plano Nacional de Banda Larga e se estes darão conta de uma verdadeira inclusão digital, inclusive e prioritariamente nas áreas até agora pouco ou nada assistidas.

Até hoje, a política de acesso à banda larga no Brasil esteve baseada na prestação do serviço por empresas privadas, com uma pequena participação de governos locais em experiências que ainda podem ser consideradas piloto. Esta escolha deixou pra trás uma parcela significativa população, fazendo um claro recorte de acordo com o perfil de renda das famílias. Ao se deixar a distribuição do serviço a mercê, exclusivamente, das regras de mercado, regiões já marcadas pela ausência de políticas de toda ordem permanecem como grandes clarões nos mapas da cobertura deste serviço.

Diferente da telefonia fixa, o serviço de acesso à internet em banda larga não é prestado em regime público e sim em regime privado. Neste segundo, as regras são mais flexíveis, não há controle sobre as tarifas cobradas pela prestação do serviço, tampouco a obrigação, por parte da prestadora, de atender a lugares mais longínquos ou que não representam interesse econômico para a empresa. Por não estar no regime público, a União, por sua vez, tem menor controle sobre a qualidade do serviço e não pode cobrar o atendimento à população de baixa renda. O resultado é a desigualdade de acesso às novas tecnologias. Uma parcela grande da população brasileira não pode pagar pelo serviço, que fica mais caro quando chega – geralmente sem concorrência – a localidades mais pobres.

Em artigo recentemente publicado na Folha de S. Paulo, Lisa Gunn e Estela Guerrini, do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), defendem que a banda larga seja incluída no rol dos serviços prestados em regime público, pois isso garantiria a universalização do serviço como aconteceu com a telefonia fixa. Defendem ainda que a classificação em regime público ou privado não é jurídica, mas política e que o governo pode fazê-la a qualquer momento.


“Cada vez mais, a banda larga, que é prestada em regime privado, aparece, ao lado da telefonia fixa, como um serviço também fundamental para todos”, diz o artigo. As autoras ainda registram que o próprio governo já reconhece a essencialidade do serviço ao discutir o Plano Nacional de Banda Larga, a banda larga nas escolas e outros projetos.

Diagnóstico

Mesmo em clara ascensão, o acesso à banda larga não Brasil não atinge por igual as cinco regiões do país e sua população. Segundo dados da pesquisa TIC Domicílios Brasil 2008 realizada pelo Centro de Estudos sobre TICs (CETIC.Br), ligado ao Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), 15% dos domicílios com acesso a internet no país tem conexões com velocidade superior a 1 megabyte por segundo (Mbps). No Nordeste, esta proporção é de 5% e no Norte, de 6%.

O Atlas Brasileiro de Telecomunicações, publicado anualmente pela revista TeleTime, mostra exatamente a distorção do crescimento. De acordo com o estudo, a expansão da banda larga levou a um aumento na penetração média dos serviços de banda larga fixa no país de 6,06 para 8,43 acessos por cem habitantes. Mas, seguindo a regra da própria concentração econômica, as regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste apresentaram os aumentos mais expressivos.

O maior crescimento regional, ainda segundo a revista, foi no Sudeste, que saltou de 8,5 para 12,1 acessos por cem habitantes. A região Sul passou de 8,0 para 11,7 e o Centro-Oeste apresentou salto de 7,21 para 10,06 acessos por grupo de cem habitantes. A pesquisa mostra ainda que o Sudeste continua concentrando a maior parte dos assinantes do país: 61%, contra 20% da região Sul, 9% no Centro-Oeste, 8% no Nordeste e apenas 2% na região Norte. Ou seja, dez estados concentram 90% do acesso enquanto os demais dezesseis estados amargam os míseros 10%.

Outro tipo de concentração, desta vez por classe social, é visível no acesso à banda larga. O documento, Alternativas de Políticas Públicas para Banda Larga, que acaba de ser publicado pelo Conselho de Altos Estudos e Avaliação Tecnológica da Câmara dos Deputados, conclui que o serviço está concentrado nas classes A e B.

Os dados revelam ainda que, de 2000 a 2009, o número de assinantes de banda larga fixa no país passou de 123 mil para 12 milhões. Contudo, o ritmo de expansão dos acessos vem caindo desde 2004. “A tendência é que o número de usuários se estabilize, no final de 2014, em menos de 20 milhões”, diz o documento. Essa média, segundo outro documento – O Brasil em Alta Velocidade, lançado pelo Ministério das Comunicações –, é muito inferior a que está sendo projetada por países como Argentina, Chile, China, México e Turquia, que têm situação semelhantes a do Brasil.

O documento da Câmara dos Deputados fala ainda da banda larga móvel, que é prestada via telefone celular. Estima-se que existam hoje 4,2 milhões de acessos 3G no Brasil. Contudo, considerando o tamanho do Brasil, segundo o estudo, esse número ainda é pequeno. Os serviços ainda não chegam em praticamente 90% dos domicílios e aproximadamente 40% dos acessos em banda larga móvel estão no estado de São Paulo.

Estes números são também confirmados pela pesquisa da empresa Huawei, publicado pela revista TeleTime na edição de dezembro de 2009. Segundo a pesquisa, a média mundial de banda larga fixa para cada 100 mil habitantes é de 7,1. No Brasil, esse número cai para 6,1. Com relação ao serviço móvel, a média mundial é de 9,5 por 100 mil habitantes e, no Brasil, apenas 3,1.

Preços e qualidade

Para além dos péssimos índices de penetração, o Brasil também apresenta uma péssima qualidade na prestação do serviço. A velocidade da banda larga brasileira ainda é muito inferior à praticada em países da Europa, nos Estados Unidos ou Japão, por exemplo, e o preço é proporcionalmente muito maior. O documento da Câmara dos Deputados diz que 90% das conexões no Brasil são realizadas em faixas inferiores a 1 Mbps. Pelos indicadores usados nos países desenvolvidos, banda larga é o acesso feito com velocidade mínima de 2 Mbps.

Quanto aos preços, o mesmo documento revela que a banda larga no Brasil é uma das mais caras do mundo. Considerando as limitações de renda da população, um patamar de preço de R$ 50 (inferior ao menor valor praticado no mercado) já exclui 65% dos brasileiros do acesso à banda larga. Para que 54% pudessem ser incluídos, os preços da conexão teriam de partir de R$ 30, conclui o estudo.

Os altos preços praticados no Brasil se explicam porque, para além da dificuldade do Estado incidir nas políticas de preço ao consumidor, a concentração da prestação dos serviços nas mãos de pouquíssimas empresas leva à ausência de concorrência em algumas localidades.

A publicação O Brasil em Alta Velocidade, do Ministério das Comunicações, divide sua análise sobre o alcance da banda larga em três categorias: municípios maiores, em que há competição entre redes e plataformas de serviço; municípios menores, em que as redes estão chegando por meio do estabelecimento de metas de universalização; e áreas remotas e de fronteira, cujo atendimento só se viabiliza por meio de programas públicos. Esta escolha metodológica aponta para a urgência tanto da execução de um plano que estenda a infraestrutura de acesso pelo país, como também a criação de mecanismos que possam garantir que empresas prestadoras cumpram metas de universalização e que seja estimulada a concorrência de mercado.

Dados da JP Morgan, publicados pela revista TeleTime de dezembro de 2009 mostram que o preço da internet cai muito quando há concorrência de outras prestadoras. O preço médio cobrado pelas concessionárias para uma banda larga de velocidade de 1 a 2 Mb é de R$118,00 onde não há concorrência estabelecida. Geralmente este serviço é prestado pela Oi/Velox ou pela Telefônica, sendo a primeira responsável por 38% do mercado e a segunda por 24%.

O valor cobrado pelos planos de 1 a 2 Mb cai para R$ 60,00 quando há a presença de concorrência da Net e da GVT. Quando há apenas a concorrência da GVT, o preço fica em R$ 64 e quando há presença apenas da Net o preço é de R$ 72.

Outra constatação do estudo Brasil em Alta Velocidade e que também esteve presente na pesquisa TIC Domicílios Brasil 2008 é que o preço ainda é um dos principais impeditivos para a expansão do serviço por todo o país. Na pesquisa do CGI.br, 54% dos entrevistados apontaram o custo elevado como razão para não ter internet em casa. Entre os usuários que já tem o domicílio conectado, 26% disseram que o preço é o principal fator para não aumentarem a velocidade da sua conexão.

Reduzir o preço do acesso à internet em banda larga para o consumidor final parece ser um dos principais desafios de futuras políticas governamentais. Ao mesmo tempo, para que seja possível a verdadeira universalização da internet em alta velocidade, é preciso garantir que o serviço chegue a regiões até agora classificadas como de difícil acesso e pouco apelo econômico pelas prestadoras privadas.

[Fonte]



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