Em Piraí (RJ), web gratuita em locais públicos nem sempre funciona. Índice de acesso residencial faz Ipea considerar cidade 'desconectada'.
Após se tornar uma das primeiras cidades do Brasil a oferecer, nas escolas municipais, um computador por aluno, e de implementar acesso gratuito à internet em locais públicos, Piraí, no Rio de Janeiro, ganhou o apelido de "Cidade Digital". Mas o local ainda sofre com a escassez de acesso via banda larga, principalmente nas residências, e enfrenta problemas comuns a boa parte das cidades do interior do País.
Uma recente pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) coloca a cidade de 26 mil habitantes entre as nove consideradas “desconectadas” do estado do Rio de Janeiro. A razão é exatamente essa: não ter uma ampla oferta de web banda larga para usuários residenciais.
Mesmo os projetos referendados pelo poder público têm problemas. Desfrutar do Piraí Digital, que oferece acesso em quatro telecentros, oito quiosques e sete computadores espalhados por locais públicos, nem sempre é possível. O funcionamento se restringe aos dias de semana, entre 8h e 17h. Isso quando os usuários não encontram os quiosques fechados em horários em que deveriam estar abertos, ou equipamentos quebrados.
Foi o caso dos dois quiosques instalados na rodoviária da cidade, que estavam desligados no momento da visita do G1. Segundo moradores, os equipamentos estavam “com defeito” há mais de uma semana, gerando muita reclamação de quem passava pelo local e gostaria de acessar a internet. “Sempre que passo aqui está quebrado. É muito triste”, lamentou o morador Tiago Alexandrino Ribeiro.
Piraí DigitalTurista usa internet wireless de graça na 'Praça da
Preguiça', no centro de Piraí. (Foto: Mylène Neno/G1)
Segundo a Secretaria de Planejamento do município, são gastos mensalmente R$ 75 mil para manutenção dos equipamentos dos quiosques e telecentros. “No início, o projeto Piraí Digital foi desenvolvido com a ideia de que fosse disponibilizada internet para toda a população nas residências”, explica o prefeito de Piraí, Arthur Henrique Gonçalves Ferreira.
“Buscamos via Anatel a licença para comercializar a internet a um custo baixo para que pudesse dar sustentabilidade ao projeto, mas a regulamentação não permite. E oferecer gratuitamente torna-se inviável para o município”, afirma.
De acordo com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), através do ato 66.198, de 27/07/2007, “fica dispensado às prefeituras a outorga de uso de radiofrequência para prestar Serviço de Comunicação Multimídia (banda larga à população), necessitando apenas de uma licença de SCM”.
Ainda segundo a agência reguladora, “a vedação para as prefeituras prestarem banda larga comercialmente está na Lei Geral de Telecomunicações (feita antes mesmo da criação da Anatel), que faculta a exploração de serviços de telecomunicações às empresas”.
Com isso, as prefeituras não podem oferecer banda larga comercialmente, de forma direta, sendo preciso criar uma empresa específica para tal – como no caso, em maior escala, do governo federal, que reativou a Telebrás para gerir o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL).
Assim, o projeto teve de ser alterado. “Mudamos e nossa estratégia passou a ser disponibilizar internet para a população através de quiosques, telecentros, hotspots”, conta o secretário de Planejamento, Fábio Marcelo de Souza e Silva. “Os hotspots ficam limitados aos locais públicos, como bibliotecas, praças, ligados na nossa rede. Trabalhamos com limitação de banda para poder servir todo mundo”, completa.
Piraí DigitalTiago Alexandrino reclamou ao G1 dos quiosques
quebrados na rodoviária de Piraí.
(Foto: Mylène Neno/G1)
Ainda de acordo com Souza e Silva, a limitação é necessária para garantir a qualidade do serviço. “Embora nós tenhamos estrutura para liberar o sinal para toda residência do município, decidimos limitar ao máximo esse raio nas áreas de cobertura próximas a logradouros públicos para não comprometer o projeto”, afirma.
Para o secretário, o número de usuários com internet residencial é ainda menor do que os 20% estimados pelo prefeito. Segundo ele, Piraí conta com dois provedores que somam cerca de 800 clientes. Isso significa cerca de 3% do total de pouco mais de 26 mil habitantes do município, localizado a 89 km do Rio de Janeiro..
Já o Ipea afirma que o número de usuários residenciais de banda larga no município fluminense não passa de 0,5% da população – taxa que inclui Piraí na lista dos “desconectados” do interior do Rio.
Internet em casa
Charles Abreu, de 25 anos, não tem internet em casa. Mas tem a facilidade de acesso à web no trabalho. Ele é atendente da única lan house privada de Piraí, que funciona de segunda a sábado, das 9h às 22h, e cobra R$ 1 por hora. Segundo Charles, o público jovem é maioria no local - a maioria em busca de jogos, proibidos nos telecentros e quiosques públicos.
"Os jogos estão na moda, né? Os adolescentes adoram. Então eles passam muitas horas aqui", contou ao G1, ressaltando que todos os menores que frequentam o local são cadastrados e autorizados por pais ou responsáveis.
"Acho que falta muito ainda para [Piraí] se tornar uma cidade digital. Falta ampliar mais o acesso das pessoas, do público em geral mesmo. Porque só as lan houses não suportam o público. Tem que liberar esse acesso também para facilitar o acesso de computadores, para que as pessoas possam comprar computadores e ter nas suas residências. [Isso] vai facilitar a vida de todo mundo", avaliou Charles, que estima receber entre 50 e 100 pessoas diariamente na lan house.
Piraí estará entre as primeiras cidades a receber o Plano Nacional de Banda Larga"
Fábio de Souza e Silva, secretário de Planejamento
A solução para a ampliação deste serviço pode estar no Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), do governo federal. Piraí será uma das 100 primeiras cidades contempladas pelo projeto que pretende fornecer internet rápida à população por mensalidades que variam entre R$ 15 e R$ 35. O município será um dos três beneficiados no estado, além de Rio das Flores e Rio de Janeiro.
Enquanto isso, os piraienses conseguem ter acesso à web nos pontos públicos da cidade – que são abastecidos por 10 hotspots. Com link de 6 Mbps distribuído por 110 prédios públicos, a cidade já atingiu seu limite de banda. Tanto que a Secretaria de Planejamento já estuda a ampliação para 20 Mbps ainda neste primeiro semestre.
Internet paga é lenta e cara
Para quem está disposto a pagar por acesso residencial, a velocidade de conexão “banda larga” ofertada na cidade fica entre 100 Kbps e 600 Kbps, com mensalidades a partir de R$ 60. Por cerca de R$ 10 a mais, um morador da capital do Rio de Janeiro, por exemplo, consegue assinar um plano de banda larga com conexão de 1 Mpbs, quase o dobro da conexão mais rápida disponível em Piraí.
As distorções ainda são grandes, o valor é alto e geralmente a qualidade e velocidade do serviço oferecido nem sempre equivalem ao que foi contratado junto aos provedores. “Tinha internet de 128 Kbps, mas em dias bons chegava a mais ou menos 80 Kbps. Troquei para uma velocidade de 300 Kbps, que é um pouquinho melhor, mas pago R$ 85”, disse o morador Fernando da Silva. Por um pouco menos do que o valor pago por ele, um cliente contrata um serviço com velocidade de conexão de 2 Mbps na capital.
Eu acho que poderia ser melhor o acesso, mas aqui ainda não tem um provedor que ofereça uma internet melhor para a cidade. E não tenho para onde correr"
Tiago Ribeiro, universitário
O estudante de Química Tiago Alexandrino Ribeiro é outro morador que nem pensa em ficar desconectado dentro de casa. “Já usei muito os telecentros e quiosques. Mas em casa eu tenho internet via rádio. Pago em torno de R$ 50 por uma conexão de cerca de 150 Kbps”, contou o jovem, que é usuário do Twitter e participa da comunidade dedicada a Piraí no Orkut.
"Eu acho que poderia ser melhor o acesso, mas aqui ainda não tem um provedor que ofereça uma internet melhor para a cidade. Por enquanto, é só esse mesmo. E não tenho para onde correr", reclamou Tiago.
Para muitos, a velocidade é ainda mais lenta. É o caso do estudante de Letras Luiz Carlos de Oliveira, 21. “Em casa eu tenho internet discada, mas é bem ruinzinha”, lamentou.
'Um Computador por Aluno'
Os estudantes da rede municipal de ensino de Piraí fazem parte do projeto “Um Computador por Aluno” (UCA). Pioneira entre as cidades do interior – já que é a única não capital a ser incluída no piloto, juntamente com São Paulo, Porto Alegre, Palmas e Distrito Federal, Piraí ainda está iniciando o processo.
No UCA, como o nome já revela, cada estudante tem o seu próprio laptop – que é utilizado em sala de aula, como ferramenta de auxílio no projeto pedagógico. Ao todo são 6.200 laptops especialmente adaptados e abastecidos com ferramentas educacionais. Além disso, cada um dos 500 professores da rede municipal de ensino também conta com seu próprio computador.
No início, eu fiquei muito insegura. Mas as próprias crianças queriam usar e eu fui me adaptando"
Simone Guimarães, professora
"Foi ótimo [receber o laptop], porque facilita bastante nosso trabalho, pela praticidade. É mais uma ferramenta que veio contribuir muito para o nosso ensino em Piraí", disse Milene Vieira de Carvalho, professora do Ensino Fundamental da rede municipal de ensino, acrescentando que todos os professores tiveram treinamento antes da chegada dos computadores.
Para a professora, o UCA transformou por completo a rotina de educadores e estudantes. "Houve uma mudança muito acentuada no próprio comportamento dos alunos. Eles estão mais atentos, mais concentrados, mais interessados. Tudo o que é novo gera curiosidade. E percebemos que muda até mesmo a maneira do aluno se expressar. É uma mudança global, radical", contou ao G1.
Antes, porém, alguns educadores estranharam a novidade. "No início, eu fiquei muito insegura. Até porque era novo o recurso. Mas as próprias crianças queriam usar e eu fui me adaptando", disse a professora Simone Guimarães. "E você vê que eles já têm intimidade com a máquina".
"Facilitou muito. Antes a gente olhava nos livros, e agora usa internet para poder pesquisar", disse Alessandro Novaes da Silva, de 11 anos, aluno do 8º ano da Escola Municipalizada Lúcio de Mendonça, no Centro de Piraí.
O G1 visitou a cidade de Piraí e conferiu a fase inicial do projeto UCA. No momento, ainda faltam armários adequados para armazenar e carregar os laptops, por exemplo. Com uma hora de carregamento, os laptops podem ser usados por duas horas, o período exato de uma aula.
Por enquanto, apenas os educadores podem levar os equipamentos para casa ao fim do trabalho. Os alunos, ao final de cada dia de aula, têm que devolver os computadores, que ficam guardados na própria escola.
Mas mesmo assim, muitos professores e estudantes ainda não têm acesso à web em casa. Algumas famílias, nem mesmo têm computador.
Ô, mãe, a escola deu, mas eu quero o meu!"
Thaiza Alves Valle, estudante
"Não tenho computador em casa, só pela escola mesmo. Quando preciso fora daqui, uso os quiosques e os telecentros", contou Thaiza Alves Valle, 13, colega de turma de Alessandro.
Thaisa foi selecionada - junto com alguns colegas de turma - para um curso de extensão de informática, promovido na cidade pelo Cederj em parceria com a companhia de tecnologia Cisco, no qual aprende a montar e fazer manutenção de PCs, além de receber treinamento para ser monitora de novos alunos no futuro. "Adoro informática", disse a menina, que através do UCA teve a oportunidade de descobrir seu talento.
Mas ao pensar em sua saída da escola, quando chegar ao Ensino Médio, a menina tem uma preocupação: o computador, ou melhor, a falta dele. "Quando eu sair, eu já venho falando: 'ô, mãe, a escola deu, mas eu quero o meu'. Eu pretendo eu mesma ter mais para frente porque a escola está dando uma oportunidade para nós aprendermos a tecnologia. Porque eu confesso, antes eu não sabia mexer".
[Fonte]
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